Lá pelo finalzinho dos anos 90, eu estava no meu habitat natural: o aeroporto Santos Dumont. Era mais um dia comum de instrução aérea, céu azul, aquele calor típico do Rio, e eu já pronto para mais uma hora de voo com aluno.
Foi quando apareceu ele: mochila nas costas, cara séria, e uma bolsa esquisita pendurada no ombro. Parecia estar indo acampar, não voar. Curioso, perguntei:
— Bicho, o que é isso aí?
E ele, sem piscar:
— Kit de sobrevivência, comandante! Se a gente cair no mar, a gente sobrevive!
Confesso que engoli a risada. Por dentro pensei: “Isso pode dar merda.... esse aí saiu de um filme do Rambo... daqui a pouco puxa uma faca da mochila e me fura aqui mesmo na cabine!” Mas, por fora, mantive a postura:
— Tá certo… bota no bagageiro aí.
E fomos voar.
Na época, o Rio de Janeiro tinha três áreas clássicas para instrução: Maricá, Jacarepaguá e Nova Iguaçu. A missão daquele dia era Maricá. E o trajeto era conhecido: decolava do Santos Dumont, saía pela boca da barra, virava à esquerda e seguia costeando todo o litoral da Região Oceânica de Niterói — Itaipu, Camboinhas, Itacoatiara... Tudo em cima d’água. Um visual deslumbrante, mas com um detalhe: se desse ruim, o pouso seria molhado.
E foi aí que o tal kit de sobrevivência começou a parecer bem menos esquisito, ,pensando bem.
O voo correu liso, sem sustos. De volta ao pátio, encontrei o Chico — colega de instrução já falecido — e contei o episódio. Rimos muito. Achávamos graça de tudo, porque, naquela época, éramos meio que super-heróis. Jovens, confiantes demais, quase invencíveis (pelo menos na nossa cabeça).
Mas hoje, sentado aqui em 2025, com 62 anos e a vida mais devagar, escrevendo artigos para o blog e estudando análise de risco por conta da tragédia recente com a brasileira na Indonésia, essa lembrança me cutucou.
Na época, achei que o aluno era meio perturbado. Hoje vejo que o perturbado era eu. Ele pensou no que poderia dar errado e se preparou. Eu, o "experiente", fui na cara e na coragem, confiando no céu azul e no motor bem revisado.
A verdade é que o acidente nunca avisa. Ele pega a gente no susto, na curva do vento, na pane que ninguém previu. E quando acontece, ou você tem um plano, ou tem uma reza. Às vezes, nem as duas coisas salvam. Mas um simples item de emergência pode fazer toda a diferença entre ser resgatado com vida ou virar estatística.
Moral da história?
Não julgue seu aluno porque ele veio preparado demais. Não ria do excesso de zelo. Pode parecer paranoia, mas é prevenção. Hoje, com mais horas de voo e de vida, eu seria o primeiro a perguntar:
— Tem espaço nesse kit aí pra mim?
Nenhum comentário:
Postar um comentário